
O Musée de l’art Moderne de Paris inaugurou no mês passado uma grande retrospectiva da obra do argentino Lúcio Fontana. Embora conhecido pelo chamado movimento espacialista e por suas pinturas perfuradas e “cortadas”, a carreira de Fontana é de uma amplitude significativa, a qual está extremamente bem representada na atual exposição do MAM. Pinturas, esculturas, cerâmicas, mosaicos e até instalações elétricas compõem o conjunto de mais de 200 obras expostas, mostrando que Lúcio Fontana foi, antes de mais nada, um curioso que de tudo testou e experimentou em termos de materiais e técnicas, dentre as quais a perfuração de telas compõe apenas um dos elementos de seu complexo trabalho.
O artista nascido em Rosário/Argentina (1899), filho de pai italiano e mãe argentina de origem italiana, viveu grande parte da vida em seu país natal, mas esteve intimamente ligado ao universo artístico italiano. Durante os anos 20 viveu entre a Argentina e a Itália e estudou escultura e arquitetura. Em 1927 entrou para a Academia de Brera, em Milão. Foi ali que, ao encontrar o simbolista Adolfo Wildt, seu mestre, Lúcio desenvolveu um estilo próprio, qualificado como primitivista.


Suas esculturas monocromáticas de superfície irregular em bronze, gesso ou terracota, produzidas no início dos anos 30 cederam lugar às formas geométricas e abstratas. Fontana, interessado no movimento francês Abstration Creation, do qual o artista não chegou a fazer parte, dedicou-se à escultura abstrata entre os anos de 1934 e 1935. Embora breve, tal período foi determinante, pois nele encontra-se a semente do movimento espacialista da segunda metade dos anos 40.
Logo em seguida, em 1936, Fontana passou a trabalhar com cerâmica, no atelier de Tullio Mazzotti. Voltando à figuração, Lúcio Fontana estabeleceu a importância das cores em seus animais, naturezas-mortas e algas marinhas. Além do aspecto visual, a coloração exerceu um papel fundamental no que se refere à composicão da matéria, valorizando suas esculturas.
Com o início da II Guerra Mundial, Fontana retornou à Argentina, onde inaugurou a academia Altamira, escola de arte onde trasmitia seus ensinamentos sobre escultura. Em 1946, ainda no seu país de origem, Fontana delineou os pincipais fundamento do Manifesto Branco, que constituiu o primeiro manifesto ligado ao depois chamado Movimento Espacialista, que acabou por influenciar diversos artistas abstratos. Através de discussões, exposições e publicações, filósofos, pensadores e escritores se uniram ao universo artístico para, através do Manifesto Blanco, romper com as tradições não apenas através da utilização de novas técnicas mas de una nova mentalidade. Para eles, a arte é vista como síntese dos seguintes elementos: cor, som, movimento e espaço.
Grande parte desse desejo de mudança e revolução na forma de enxergar e compor a arte está ligado ao fascínio de Fontana pelo cosmos, pela exploração do espaço. Uma obra, segundo o movimento espacialista, não é simplesmente um objeto com seu formato pré-definido e que se encerra em si mesmo, mas sim um objeto espacial, algo que faz parte do ambiente e que está intimamente ligado à luz e ao espaço. É como se a arte extravazasse o próprio objeto para conquistar o que.
Como consequência do referido movimento, ao final dos anos 40 surgiram as famosas telas perfuradas de Fontana, por ele nomeadas Concetti Spaziali. Espirais, círculos ou zig-zags são formados por sucessivos furos feitos na tela e, através desses furos, luz e sombra são introduzidos à obra, acrescentando à ela uma dimensão espacial.
Paralelamente às telas monocromáticas e perfuradas, Fontana continou a esculpir. São deste períodos algumas cerâmicas de guerrilheiros, crucifixos e arlequins que se aproximam do movimento espacialista.
É no final dos anos 50 e inícios dos anos 60 que Fontana escolheu as fendas como elemento princial de suas telas e esculturas. Em suas telas, os cortes eram produzidos através de uma técnica bem mais refinada e cuidadosa que a empregada nas perfurações. O ato de cortar a tela foi fruto de estudo e reflexão, de modo que a superfície do quadro pudesse continuar perfeita, da forma desejada por Fontana.

Concept Spatial – 1962

Concept spatial – 1965

Além da dimensão espacial, à elas soma-se o significado sensual, sexual. É o caso do conjunto de esculturas esféricas em bronze denominado Natures (foto abaixo), palavra utlizada na gíria italiana para indicar o sexo feminino.

Uma parte da exposição é ainda dedicada aos projetos de arquitetura dos quais Fontana participou. Numa sala de projeção são exibidas cenas do artista em plena ação, perfurando, cortando ou pintando suas telas, e ainda, falando de seu trabalho.
A exposição no MAM de Paris é a ocasião ideal para descobrir que o trabalho de Fontana não se resume a uma série de telas monocromáticas perfuradas e que, por traz de todos os conceitos e definições que o entornam, há muitas questões a se descobrir através da imensa e diversificada produção de um artista que se pode classificar como visionário e único.
Anote: Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris; 11, avenue du Président Wilson – 75016; metrô Alma-Marceau ou Iéna (linha 9); ter/dom. 10h/18h e qui. até 22h; ingressos 11 euros; 25.04 a 24.08.2014.
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