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  • Writer's pictureClau Gazel

Dicas de convivência: compreenda as diferenças culturais entre Brasil e França

Desde que me mudei para a França em 2010 recebo emails e ouço comentários de turistas sobre atendimento, serviços e o comportamento dos franceses; alguns com questionamentos, outros com críticas e outros, com elogios. Há muito tempo recebi um e-mail de um leitor que me marcou: ele relatava um episódio que ocorreu com seu filho em Paris e que, por causa disso, jurava que não colocaria o pés na França. “Perdi o tesão”, disse ele. E me pedia para que eu contasse um pouco minha experiência aqui. Foi assim que escrevi o meu primeiro post sobre o assunto e, na ocasião, tive muito retorno dos leitores do blog, cada um contando sua experiência. Senti recentemente a necessidade e vontade de escrever de novo sobre o assunto, destacando alguns aspectos da cultura brasileira que se diferenciam da cultura francesa. Não trazer as manias e preconceitos na mala pode ser uma ótima maneira de vir com o coração e a mente abertos. Algumas dicas podem ajudar você, turista, fazendo-o voltar sempre e sem “perder o tesão”. Minha ideia é tornar tudo mais fácil… mas cabe a cada um tirar as próprias conclusões a partir das minhas observações e da minha experiência.


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1. Cultura: cada um tem a sua

Acho que essa frase não traz nenhuma novidade em si. Ainda mais para quem é habituado a viajar e tem constantemente contato com culturas diferentes da sua. Essa constatação é o primeiro passo para compreender o outro, a outra cultura, o outro país. Mas, embora simples, nem sempre esse aprendizado é assimilado em tempo de agregar mais efeitos benéficos do que maléficos à sua viagem. Isso não vale só para a França, mas para o mundo todo. No entanto, como escrevo para um público de leitores brasileiros que viajam para a França, a comparação entre os dois países se faz indispensável.

Uma diferença crucial entre as duas culturas reside no fato – quando digo é fato, significa que não se trata de mera opinião pessoal –  de o Brasil ser culturalmente americanizado, especialmente em termos do consumo, o que tem consequências nos hábitos relacionados aos serviços, às facilidades e ao conforto. Já a França é um país anti-americanização por excelência. Não estou defendendo aqui que a França não sofra a influência dos Estados Unidos; mas o movimento de resistência à ela é bastante importante, o que não se observa no Brasil. Também não estou entrando no mérito do que é melhor ou pior. Este é apenas um alerta e, a meu ver, o principal ponto de partida para se compreender como funcionam as coisas por aqui.

Listo abaixo alguns exemplos banais, mas extremamente ilustrativos. Poderia dar mais de cem, mas acho que seis bastam para que se pegue o fio da meada e assim, seja possível compreender as questões práticas que abordarei à seguir:

– Paris não é envolta por outlets e esse está longe de ser a forma de lazer preferida por aqui;

– não há farmácias 24h em cada esquina para se fazer compras de shampoos e vitaminas às 2 da manhã;

– ninguém vai te mimar ou adular num restaurante. O garçom está ali para fazer o trabalho dele;

– por lei a maioria das lojas não abre aos domingos, outras fecham às segundas porque abriram aos domingos e, ainda, muitas abrem suas portas entre 10h30 e 11h da manhã;

– comida não industrializada tem um valor inestimável e não raras vezes um ingrediente natural é intrinsecamente ligado à cultura e ao “savoir-faire” de uma região. Luta-se para que nada disso caia no esquecimento;

– as pessoas assumem ter uma vida pessoal além do trabalho. Logo, o restaurante, a loja, a farmácia fecha na hora porque seus funcionários tem casa, filhos e um transporte público para pegar. Ninguém se sentirá na obrigação de continuar esperando alguém acabar suas compras, ou acabar seu vinho para voltar para casa porque o cliente está sempre em primeiro lugar.

2. A questão da língua

Há leitores que contam que se esforçavam para falar francês e as pessoas daqui acabavam respondendo em inglês. Isso demonstra receptividade, porque ao perceber a dificuldade dos turistas com o francês, as pessoas se dispõem a falar inglês. Talvez aquela máxima de que francês não fala inglês tenha ficado perdida em algum lugar do passado. Mas o que é o mais importante de tudo? Tentar se comunicar na língua local, com frases básicas que qualquer guia de línguas pode te ensinar… ainda que seja apenas para dizer que você não fala francês e que gostaria de falar em inglês.

As famosas palavrinhas mágicas bom dia, boa tarde, boa noite, por favor e obrigado abrem portas. Nunca se esqueça disso. É normal sentir vergonha de falar; não tem problema falar errado também. Mas a tentativa é sempre vista com bons olhos!

E quer saber o que é visto com maus olhos? Chegar jogando frases em inglês. Se quer falar em inglês, a primeira frase a dizer é: “Je ne parle pas français. Parlez-vous anglais, s’il vous plait? ” Aprenda a dizer, no mínimo, bonjour, bonsoir, s’il vous plait, merci, oui e non. Não traduzirei aqui… assim você já vai aprendendo!

3. Restaurantes

3.1. O atendimento

Trata-se de um capítulo à parte e que merece ser entendido. Em primeiro lugar, o número de garçons é infinitamente menor se comparado aos bares e restaurantes no Brasil. Por isso, o garçom se organiza para fazer as coisas no tempo dele, de modo que ele dê conta de tudo. Por isso, ao chegar a um restaurante, aguarde na porta a pessoa que virá até você e te conduzirá até a mesa disponível. Uma vez sentado, aguarde o garçom. Em tese, ele olha quando todos na mesa terminaram o café e virá perguntar se deve trazer a conta. O mesmo raciocínio vale para todas as etapas da refeição. Logo, uma coisa que é preciso deixar para traz é a mania de levantar a mão para chamar o garçom, fazendo sinais sonoros ou visuais – isto não faz parte da cultura daqui, a menos que você conheça pessoalmente a pessoa chamada.  Gestos e termos íntimos são reservados a pessoas próximas de verdade. Não espere que ele venha e, ainda, dê-se por contente se não te der uma bronca. Ir à restaurantes aqui, portanto, é um exercício de paciência para quem não sabe esperar, ou, em outras palavras, para quem está costumado a ser mimado e receber um segundo chopp sem nem mesmo ter pensado nisso (não me estenderei a respeito desta prática comum no Brasil e que considero de honestidade bastante duvidosa). Resumindo: espere, entenda o tempo do outro e tudo se passará bem. Afinal, quem está com pressa nas férias?!

3.2. O horário

Se o estabelecimento fecha às 23h isso quer dizer que às 23h ele fechará as portas, os funcionários estarão prontos para ir embora, o caixa estará fechado e assim por diante. Não existe chegar às 22h45 e ser atendido simplesmente porque você entrou. E não se esqueça que a única garantia de atendimento é ter feito reserva e, lógico, chegar no horário. Para quem não quer ter horário, vale à pena procurar as brasseries que muitas vezes ficam abertas até mais tarde. Mas não se esqueça de questionar a respeito do horário de fechamento da cozinha. Se fizer uma reserva e não for, cancele. Isso é questão de respeito em qualquer lugar do mundo. Respeite o trabalho do outro  e pense em quem, como você, gostaria de ter uma mesa naquele mesmo horário e eventualmente não conseguiu.

4. Lojas

4.1. O atendimento

Aqui não se tem o costume de um vendedor seguindo cada passo seu, dando palpite e, de novo – te paparicando com elogios, copo d’água e cafezinho. Lógico que até pode se encontrar isso, mas não é a regra. Digo isso apenas para que caia sua ficha. E se quiser um conselho ou um pedido, muitas vezes vai ter que correr atrás de um atendente. Isso não significa que a pessoa não está disponível, não tem boa vontade ou não foi com sua cara: ela tem apenas bastante trabalho, só isso.

4.2. O horário

O mesmo que eu disse para restaurantes, vale aqui. Se preciso for, você será convidado a se retirar. Isso não é nada pessoal – lembre-se disso. O estabelecimento tem um horário a ser cumprido e os funcionários tem vida pessoal. Há muitas lojas que abrem tarde, que fecham para almoço, que emendam feriados. Pesquise antes de se locomover especificamente para algo do tipo.

5. Uso de celulares, tablets, telefones

Embora exista na França mais de um celular por habitante, tudo ainda é usado com muito respeito. Logo, não é comum andar de ônibus ou metrô falando no celular e incomodando a pessoa que está do lado. Nos trens de viagens há cartazes explícitos sobre isso. Nos ônibus de Paris, também. Ver vídeos, colocar desenhos para os filhos sem fone de ouvido em lugares públicos ou em lojas e restaurantes não é tido como normal, e sim como uma invasão ao outro, que está próximo e não se sente obrigado a compartilhar o que o outro deseja assistir ou escutar.  Não é raro ver alguém ser chamado a atenção por atitudes como esta. Situações deste tipo derivam necessariamente do acesso às novas tecnologias no mundo todo. No entanto, o conceito de respeito ao próximo e de limite na França passa necessariamente pelo silêncio. A França é um país silencioso. Até por isso não é normal ter wifi para clientes nos lugares.

6. Animais

Aqui é normal ter animal em restaurantes, lojas, bares e muitas vezes, ele pertence ao proprietário e praticamente mora no local e é acostumado com os clientes. Não se assuste. Se você não curte, sua opção é sair. Se você gosta, traga o seu para passear em Paris! Mas, lembre-se: pergunte antes de entrar em algum lugar com ele.

Isso não é uma cartilha; é um convite a entender as diferenças entre Brasil e França e, assim, aproveitar melhor sua estadia por aqui como turista. Convido cada leitor a dar sua opinião e compartilhar suas experiências através de comentários no post ou em nossa página no Facebook. Au revoir.

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