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  • Writer's pictureClau Gazel

Arroz doce: a reconciliação


Às vezes me pergunto porque eu odeio tanto quando algum creme fica mais duro por cima, com aquela pele resistente que mais parece uma nata. É algo mais forte do que eu, que chega a me dar calafrios. E reconheço de longe, só de olhar. Nem preciso colocar a colher e sentí-la resistindo para a afundar. Frescura? Quando lembro de algumas passagens da minha infância vejo que é mais trauma que qualquer outra coisa.

Sempre adorei manjar branco. Mas, por opção, parei de comer. Em visitas, eu não mais aceitava a sobremesa. Porque se a nata incômoda estivesse lá, o negócio crescia na minha boca e eu mal conseguia engolir o primeiro pedaço. E a partir de um certo momento a mera expectativa de uma simples nata me fez deixar algumas das minhas sobremesas preferidas da infância na memória. Manjar e arroz doce.

Lembro do dia em que rompi com o arroz doce. Foi fora de casa, porque o da minha mãe não ficava assim. Aquele tinha a nata coberta de canela, me enganou. E não descia. Dégueulasse. Fique mais de 20 anos sem comer. Nunca mais desceu.

Até me esqueci que eles existiam, o manjar branco e o arroz doce. Mas esse últtimo resolveu cruzar novamente o meu caminho. Talvez não tenha se conformado com nossa história de amor mal sucedida, que acabou como uma paixonite adolescente. E veio me buscar no velho continente. Decidiu me reconquistar na cidade dos apaixonados. Sem cerimônia e confiante, vestiu sua melhor roupa e acessórios e se plantou bem na minha frente, no Chez l’Ami Jean. Se apresentou como Monsieur Riz au Lait. Fechei os olhos e me deixei levar, pela suavidade do seu toque, pela sua cremosidade e o seu sabor marcante de caramelo. Reconciliação doce e saborosa. E eu o procuro em outras mesas, em outros pratos e balcões. E assim seguimos felizes. E que seja eterno enquanto dure, até que uma nata insolente nos separe.

Anote outros lugares para comer um arroz doce inesquecível em Paris: L’Avant Comptoir (para comer no balcão) e Le Comptoir. E prometo uma receita, tão logo arrume tempo para testá-la.

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